Tratamento com Neurofeedback e Autismo

 

É com muita satisfação que apresento o nosso novo articulista deste blog, Dr. Kléber Lopes Fialho, psicólogo e neurocientista, pioneiro na técnica de Neuromodulação Autorregulatória no Brasil.

Leia, na íntegra, seu artigo e conheça mais sobre esta técnica, que tanto tem ajudado a desenvolver as capacidades cognitivocomportamental dos autistas, apesar de ser uma técnica baseada na Psicologia Comportamental para o ajuste de comportamento e adaptação de qualquer indivíduo.

Ao conhecer o Dr. Fialho, passei a entender melhor sobre esta ferramenta terapêutica de eficácia comprovada pelo departamento de pediatria da Georgetown University Medical Center, em Washington, D.C., nos Estados Unidos,  um centro avançado de pesquisas médicas, que eu, pessoalmente, já visitei, ao estar em Washington, em 2001.

Esse departamento de pediatria dispõe e vasta literatura sobre a eficácia da Neuromodulação (Neurofeedback) nos vários tratamentos para autismo, depressão, lesões cerebrais, insônia, enxaqueca, TDAH, epilepsia e o distúrbio de estresse pós-traumático (que pode acometer a qualquer indivíduo que tenha passado por um forte trauma).

Boa leitura!

Tânia Motta Nogueira Reis - advogada, articulista e editora deste blog.


"Tratamento com Neurofeedback e Autismo


 

De origem na Psicologia Experimental há mais de 60 anos e atualmente como técnica de terapia e modificação de comportamento, o Biofeedback e o Neurofeedback (Biofeedback eletroencefalográfico), vem se destacando como alternativas de tratamento de diversas patologias, síndromes, ou mesmo aumento de performance em qualquer sujeito, com ou sem queixa de alteração da normalidade.


Neste sentido, o Biofeedback é uma das técnicas mais promissoras no rol de procedimentos comportamentais utilizados por psicólogos para mudança cognitivocomportamental e aquisição de comportamento, não se tratando, portanto, de se medir a eficácia do procedimento, mas, sobretudo, de verificar os efeitos que esta técnica promove para mudança comportamental de qualquer sujeito, tomando-se como parâmetro linhas de base avaliativas e objetivos a serem alcançados.


Os processos pelos quais novos comportamentos são adquiridos ou os préexistentes são fortificados ou diminuídos em função das consequências contingentes ficaram conhecidos como condicionamento operante.


Os princípios do condicionamento operante foram traduzidos em inúmeras técnicas psicoterápicas tanto nas terapias comportamentais, quanto nas terapias cognitivocomportamentais. Procedimentos operantes também são componentes de estratégias usadas numa vasta gama de outras clínicas como a fisioterapia, fonoaudiologia, psicopedagogia e nutricionais, além da educação e medicina comportamental.


Citado por Simon, no livro de Caballo, Manual de Técnicas de Terapia e Modificação de Comportamento, ed Santos, 2002, o biofeedback é considerado uma técnica de autocontrole de respostas fisiológicas, conseguido a partir da retroalimentação recebida pelo sujeito em treinamento de uma função fisiológica, que se pretende colocar sob o controle voluntário. Trata-se, portanto, de um procedimento para “modificar uma resposta fisiológica em função da informação que se tem de como esta varia” (Caballo 2002, p.335).


O Neurofeedback (biofeedback eletroencefalográfico) é uma modalidade de condicionamento operante que visa ao reestabelecimento de padrões eletrofisiológicos adequados para o tratamento de determinadas desordens de caráter neurológico, psiquiátrico ou psicológico à amplificação de habilidades cognitivas normais e à potencialização da sensação de bem-estar. É um tipo de biofeedback que engloba o conjunto dos treinamentos de dimensões da fisiologia (i.e., variabilidade cardíaca, resposta galvânica da pele, eletromiografia) para a promoção de mudanças específicas ou globais no modo de funcionamento do organismo (Brown,1975). 


Tal como outras modalidades de biofeedback, o neurofeedback representa uma tentativa de potencialização do desempenho de dimensões eletrofisiológicas de interesse, através do controle intencional de estímulos a elas pareados (e.g., um filme, um jogo de videogame ou uma música que dimensionam a proporção com que determinada faixa frequencial aparece no espectrograma). O que diferencia o neurofeedback do biofeedback é o fato de as variáveis de interesse serem cerebrais, o que eventualmente leva a resultados mais profundos e rápidos em se tratando de desordens ou condições de base cerebral.




Desta forma, é uma técnica sistemática com base na Psicologia Comportamental visando atingir objetivos a partir da avaliação neuropsicológica criteriosa, no sentido de corrigir achados clínicos que interferem no ajuste comportamental e adaptativo de qualquer indivíduo.


A sistematização do conhecimento sobre a possibilidade de obter controle voluntário de funções fisiológicas surgiu em 1969, em Santa Mônica, Califórnia, através da Biofeedback Research Society. A partir desses estudos, muitas outras pesquisas foram realizadas em categorias clínicas variadas, como disfunções cardiovasculares, distúrbios gastrointestinais, transtornos neuromusculares, transtornos epilépticos (SIMÓN, 2002).


O processo do biofeedback, de modo simplificado, consiste em posicionar eletrodos, sensores ou transdutores para captação de uma atividade fisiológica específica. Os sinais captados são amplificados por um amplificador que também realiza a tarefa de filtragem. Os filtros selecionam os sinais adequados para amplificação. Após a captação, a filtragem e a amplificação, os sinais são convertidos em uma informação inteligível e, então, devolvidos ao sujeito em treinamento.


O neurofeedback é um tipo particular de biofeedback, referindo-se exclusivamente ao treinamento de ondas cerebrais, como seu nome sugere “...É uma modalidade não invasiva de condicionamento operante que visa produzir melhoras em quadros clínicos...” (DIAS, 2011, p. 1)*. 


No caso específico do transtorno de espectro autista há um corpo bastante significativo de pesquisas que já citam o tratamento neurofeedback (Coben & Myers, 2010; Coben & Pudolsky, 2007a; Jarusiuwicz, 2002; Knezevic, Thompson, & Thompson, 2010; Kouijzer, de Moor, Gerrits, Buitelaar, & van Schie, 2009; Kouijzer, de Moor, Gerrits, Congedo, & van Schie, 2009; Kouijzer, van Schie,

 de Moor, Gerrits, & Buitelaar, 2010; Pineda et al, 2007;. Pineda et al., 2008; Scolnick, 2005; Sichel, Fehmi, & Goldstein, 1995).


L. Thompson, Thompson, e Reid (2010) relataram uma série de casos de 150 pacientes com Sindrome de Asperger e nove pacientes do espectro do autismo que receberam de 40 a 60 sessões, geralmente com algum biofeedback periférico complementar. Eles encontraram resultados estatisticamente significantes de melhorias em medidas de atenção, impulsividade, atenção auditiva e visual, leitura, ortografia, aritmética, medidas de EEG (padrões do QEEG modificados), e uma escala completa de ganho médio de QI de 9 pontos.


Alguns dos estudos citados acima foram estudos de grupo controle. No entanto, houve, também, um estudo controlado por placebo (Pineda et al., 2008), e outro de observacão de resultados de 6 meses (Kouijzer et al., 2010) e 1 ano de follow-ups (Kouijzer et al., 2009) documentando a manutenção de resultados positivos. Uma revisão de trabalhos com neurofeedback para tratamento de problemas do espectro do autismo, que inclui a revisão de artigos apresentados como reuniões científicas, foi publicada por Coben, Linden, e Myers (2010). 


Em um estudo citado por esses autores usando neurofeedback e treinamento de HEG, Coben e colaboradores encontraram uma redução de 42% nos sintomas autistas em geral, incluindo uma diminuição de 55% no déficit na interação social e melhorias na comunicação e défcits sociais de interação de 55% e 52%, respectivamente. No geral, neurofeedback tem suporte nas pesquisas modernas como um tratamento benéfico para os problemas do espectro do autismo, com achados de mudanças positivas em função avaliativa do cérebro, atenção, QI, impulsividade, e avaliações dos pais de outros problemas de comportamento, tais como comunicação, comportamento repetitivo e estereotipado, interações sociais recíprocas e sociabilidade.


Embora a utilização do neurofeedback não represente uma cura para as condições, de fato produz melhorias significativas nestas condições crônicas do espectro autista, por ser uma técnica de mudança comportamental utilizando-se das referências eletroencefalográficas do próprio sujeito, treinando-as e estabelecendo uma nova forma de funcionamento.  


Em todo o mundo, nos principais centros universitários, já há um consenso sobre o procedimento de neurofeedback no auxílio a diversas patologias neuropsiquiátricas, discutindo-se, contudo, a eficácia de protocolos e não da técnica em si, por se tratar, como já dito anteriormente, de uma ferramenta clínica auxiliar para mudança comportamental.


Podemos citar um estudo de 2016 da University of Isfahan, Isfahan, Iran, desenvolvido por Marzbani H, Marateb HR, Mansourian M. Neurofeedback: A Comprehensive Review on System Design, Methodology and Clinical Applications, e descreve “o Neurofeedback é um tipo de biofeedback, que ensina o autocontrole das funções do cérebro aos sujeitos, medindo ondas cerebrais e fornecendo um sinal de feedback. O Neurofeedback geralmente fornece o feedback de áudio e vídeo. O feedback positivo ou negativo é produzido para atividades cerebrais desejáveis ou indesejáveis, respectivamente. É conhecido como um tratamento complementar e alternativo de muitas disfunções cerebrais.”

Estudos contemporâneos da University Bochum, Hamm, Germany, desenvolvidos por Holtmann M, Steiner S, Hohmann S, Poustka L, Banaschewski T, Bölte S. Neurofeedback in autism spectrum disorders, indicam melhoras nos quadros comorbidos de déficit de atenção no espectro autista, não se referindo diretamente ao espectro, mas evidenciando a mudança do processo atencional e, portanto, comportamental dos sujeitos submetidos ao tratamento.


Toda e qualquer mudança comportamental, objetivando a melhoria do quadro apresentado é significativa, neste sentido, o biofeedback é uma ferramenta terapêutica eficaz para alcançar objetivos.

Estudos do departamento de pediatria da Georgetown University Medical Center, Washington, DC 2000, USA, descreve uma extensa literatura sobre a eficácia do neurofeedback no tratamento do autismo, lesões cerebrais, insônia, enxaqueca, depressão, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, epilepsia e distúrbio de estresse póstraumático, dentre outros. Atesta-se o neurofeedback servindo como uma modalidade terapêutica para pacientes com distúrbios neurológicos sugerindo aos pacientes o treinamento clínico com o neurofeedback.


O departamento de psiquiatria infantil e de adolescentes da Universidade de Erlangen-Nürnberg, Alemanha, através dos pesquisadores Heinrich H, Gevensleben H., Strehl U., com trabalho intitulado “Annotation: neurofeedback - train your brain to train behaviour”, afirmam que Neurofeedback (NF) é uma forma de treinamento comportamental destinado a desenvolver habilidades para a auto-regulação da atividade cerebral. E ainda que na última década, vários estudos NF foram publicados, que tendem a superar as deficiências metodológicas de estudos anteriores. Esta pesquisa descreve a base metódica do NF e analisa a base de evidências quanto à sua eficácia clínica e eficácia em transtornos neuropsiquiátricos. Há evidências crescentes de NF como um método de tratamento valioso em transtornos neuropsiquiátricos.


Podem-se citar outros trabalhos com mesmas conclusões: “distinct EEG effects related to neurofeedback training in children with ADHD: a randomized controlled trial”, dos pesquisadores Gevensleben H1, Holl B, Albrecht B, Schlamp D, Kratz O, Studer P, Wangler S, Rothenberger A, Moll GH, Heinrich H. Child and Adolescent Psychiatry, University of Göttingen, v.Siebold-Str. 5, D-37075 Göttingen, Germany.


Um dos trabalhos mais importantes pode ser observado através das pesquisas dos autores Orndorff-Plunkett F, Singh F, Aragón OR, Pineda JA do departamento de neurociência e ciência cognitiva da Universidade da Califórnia, intitulado “Assessing the Effectiveness of Neurofeedback Training in the Context of Clinical and Social Neuroscience” com conclusões bem seguras sobre neurofeedback: é uma técnica operante baseada no condicionamento na qual os indivíduos sentem, interagem e administram seus próprios estados fisiológicos e mentais. 


O Neurofeedback foi aplicado a uma grande variedade de doenças psiquiátricas, além de tratar sintomas subclínicos e até melhorar o desempenho em populações saudáveis. Usaram o termo plasticidade fisiológica funcional para sugerir que os sistemas biológicos interagem como um todo integrado que pode ser treinado e guiado, direta ou indiretamente, em diferentes estados fisiológicos. Quando a intenção é normalizar o sistema, por exemplo, através de neurofeedback, descrevem como neuroplasticidade auto-dirigida, cujo resultado são alterações funcionais, estruturais e comportamentais persistentes. Argumentam que as mudanças no funcionamento fisiológico, neuropsicológico, comportamental, interpessoal e social após neurofeedback podem servir como índices objetivos e como métricas necessárias para avaliar níveis de eficácia.

Enfim, há tantos relatos científicos, clínicos de inúmeros profissionais em todo o mundo, destacando-se aqui no Brasil os trabalhos de Ivo Oscar Donner, Dirce Perissinote, Valéria Modesto, Leonardo Mascaro, João Damasceno Neto, Emílio Takase, Erick Conde, Óscar F. Gonçalves, Paulo Sergio Boggio, e tantos outros que há décadas se dedicam na sistematização da técnica e sua eficácia.


Diante do exposto, além dos argumentos apresentados, através de minha experiência clínica de mais de 20 anos em neurorreabilitação e de 15 anos utilizando o biofeedback como técnica comportamental nos procedimentos neuropsicológicos, asseguro a indicação como terapia auxiliar para diversos casos propostos, mais especificamente transtorno do espectro autista."


Kléber Lopes Lima Fialho

Psicólogo/Neurocientista

Pioneiro na técnica de Neuromodulação Autorregulatória no Brasil


Contato: kleberfialho@gmail.com


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